2. É uma doença freqüente?
O LESJ é a terceira doença
mais freqüente nos nossos ambulatórios de Reumatologia Pediátrica, depois de
febre reumática e artrite idiopática juvenil. A real incidência de LESJ é
desconhecida em nosso país. Dados provenientes de países da América do Norte,
Europa e Japão indicam que cerca de 0,3
a 7,0 pacientes em cada 100.000 crianças e
adolescentes têm essa doença. Há um predomínio do sexo feminino, em todas as
faixas etárias, sendo que antes da adolescência é 2 a 3 vezes e após a
adolescência é de 8,0 a 13 vezes, mais freqüente no sexo feminino.
3. O que causa o Lúpus Eritematoso
Sistêmico Juvenil (LESJ)?
A
causa exata do LESJ ainda não é conhecida. Fatores hormonais (estrógeno),
infecciosos (vírus, bactérias, etc), emocionais, ambientais (luz ultravioleta) e
medicamentos (anticonvulsivantes, hidralazina, isoniazida, etc) podem dar início
à doença em pessoas que têm uma predisposição familiar ou por alteração no seu
sistema de defesa.
Como conseqüência, o indivíduo produz anticorpos direcionados contra
seus próprios tecidos (os auto-anticorpos, como anti-DNA, anticorpos
anti-fosfolípides). Por isto, o lúpus é conhecido como uma doença autoimune.
Esses auto-anticorpos vão se depositando em vários órgãos.
O lúpus não é uma doença infecto-contagiosa e os pacientes podem (e
devem) freqüentar normalmente creches, escolas, clubes, danceterias e piscinas,
com os devidos cuidados, quando a doença estiver controlada.
4. Há diferenças entre o Lúpus Eritematoso
Sistêmico da criança ou adolescente e do adulto?
O lúpus da criança e do adolescente, embora seja mais
raro, apresenta basicamente as mesmas características do lúpus do adulto. Do
total de pacientes com lúpus, 20% se encontram na faixa etária pediátrica (até
16 anos).
A principal diferença entre a doença do adulto e a juvenil se dá no
comprometimento renal, mais freqüente e com formas mais graves na forma juvenil.
Os critérios diagnósticos utilizados para o LESJ são os mesmos e o tratamento
bastante similar ao adulto, com ênfase nas vacinações e no acompanhamento do
crescimento e desenvolvimento da criança e adolescente.
5. Como se diagnostica a
doença?
O diagnóstico do LESJ
baseia-se nos critérios estabelecidos pelo Colégio Americano de Reumatologia de
1997. Para o diagnóstico de LESJ é necessária a presença de quatro ou mais dos
11 critérios. Estes critérios podem aparecer todos ao mesmo tempo ou demorar
alguns meses para o diagnóstico definitivo da doença (em média de 4 meses).
Ainda existem poucos exames laboratoriais específicos para esta
doença. Nos casos de dúvida diagnóstica, a opinião e o seguimento com um
especialista podem ser de grande auxílio.
6. Quais as manifestações, os órgãos e os
sistemas mais acometidos no Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil
(LESJ)?
A característica
principal do LESJ é o acometimento de vários órgãos e sistemas, com diferentes
formas de apresentação. Portanto, cada caso é único e deve ser individualizado.
O início dos sintomas pode ocorrer vagarosamente ou se apresentar já nas
primeiras semanas da doença com manifestações clínicas súbitas e graves, com
qualquer órgão acometido. É uma doença de evolução imprevisível, possui caráter
crônico com períodos de remissão e exacerbação das manifestações clínicas.
As principais manifestações clínicas iniciais do LESJ compreendem
febre prolongada, redução do apetite, perda de peso, alteração articular, da
pele e dos rins.
Os comprometimentos das articulações, músculos e ossos são vistos em
até 88% dos casos com LESJ. Habitualmente, os pacientes apresentam dores
articulares ou artrites (dor, inchaço, calor e limitação). Inflamação nos
músculos (miosite, com fraqueza muscular) pode ocorrer nos períodos de atividade
da doença.
As lesões de pele e mucosa no LESJ podem se apresentar de diversas
formas incluindo mancha vermelha no rosto, úlceras na boca ou nariz, púrpura
palpável (manchas vermelhas na pele), urticária (placas com coceira),
vermelhidão na planta dos pés e palma das mãos e bolhas na pele. A vermelhidão
que se inicia ou aumenta pela exposição solar (fotossensibilidade) é encontrada
em cerca de 50% dos pacientes, habitualmente localizada em face, pescoço, braços
e pernas.
A doença renal (nefrite) ocorre no início da doença, geralmente nos
primeiros dois anos, com uma freqüência que pode ser de 70 a 100% dos pacientes.
As alterações no exame de urina são variadas podendo ocorrer sangramento e/ou
perda importante de leucócitos (glóbulos brancos) e proteínas na urina. Os
pacientes podem também apresentar aumento de pressão arterial, inchaço e perda
da função dos rins (insuficiência renal). A biópsia renal é indicada nos
pacientes com manifestações clínicas da doença renal e/ou alterações
laboratoriais persistentes e/ou graves, para individualizar o tipo da nefrite e
propor tratamento específico.
A doença em sistema nervoso e psiquiátrico ocorre em até 50% das
crianças e adolescentes com LESJ. As manifestações clínicas mais freqüentes são:
dor de cabeça de forte intensidade (como enxaqueca), convulsão, distúrbios do
comportamento (alucinações, depressão), raramente derrame (acidente
vásculo-cerebral - AVC) e coma.
O comprometimento hematológico (do sangue) no LESJ pode se manifestar
com redução no número das plaquetas, dos glóbulos vermelhos (anemia) e/ou
brancos. A queda no número de plaquetas pode levar a sangramentos locais (na
pele, nariz, boca) ou generalizados e a anemia se apresenta com palidez e/ou
icterícia (olhos amarelados). A queda de glóbulos brancos aumenta o risco de
infecções.
O comprometimento dos pulmões no LESJ é geralmente inicial, ocorrendo
em até 50% dos pacientes. A principal manifestação da doença pulmonar lúpica é a
pleurite (com ou sem líquido na pleura).
O envolvimento do coração ocorre em até 50% dos casos, sendo a
anormalidade mais freqüente a inflamação da membrana que recobre o coração
(pericardite), que ocorre em 12
a 40% dos pacientes.
7. Qual o tratamento do Lúpus Eritematoso
Sistêmico Juvenil?
Uma boa
relação entre médico, paciente e seus familiares, será importante para o sucesso
do tratamento, uma vez que a sua duração é prolongada. Este deve ser sempre
individualizado e é fundamental a educação sobre a doença e bons hábitos de
vida.
A nutrição deve ser balanceada com diminuição de sal para os
pacientes com pressão alta e pacientes em uso de corticosteróides, e diminuição
de sal e proteína para os pacientes em diminuição da função dos rins. Os
esportes e atividades de lazer são indicados sempre que a doença estiver
controlada.
O protetor solar que bloqueia os raios ultravioleta A e B (UVA e
UVB), com Fator de Proteção Solar (FPS) igual ou superior a 30, deve ser
indicado em todos os pacientes e aplicado 30 minutos antes da exposição solar,
mesmo em dias nublados, com reaplicação após 4 horas. As lâmpadas fluorescentes,
com emissão de UVB, presentes nas residências e escolas, também emitem raios
ultravioleta. Os pacientes devem também evitar a exposição solar entre as 10 e
16 horas e se forem à piscina ou praia devem ser estimulados uso de boné,
guarda-sol e FPS administrado a cada hora em todo corpo.
Os corticosteróides (como prednisona e prednisolona) e os
anti-maláricos são os medicamentos iniciais de escolha para uso em pacientes com
LESJ. Em crianças com impossibilidade de fazer uso da medicação por via oral,
poderão ser utilizados corticosteróides injetáveis (hidrocortisona ou
metilprednisolona), por injeção na veia.
Os corticosteróides não devem ser suspensos ou reduzidos sem
orientação médica, sob risco de graves complicações. Os efeitos colaterais dos
corticosteróides mais freqüentes em crianças com LESJ incluem: face em lua
cheia, obesidade, estrias, aumento dos pêlos, infecções, catarata, parada do
crescimento, úlcera do estômago, pressão arterial alta e osteoporose. Deve-se
suplementar cálcio e vitamina D, reduzindo a osteoporose e as suas complicações
a médio e longo prazo.
A pulsoterapia na veia (por três dias mensalmente) com
metilprednisolona é utilizada em situações de gravidade no LESJ. Os
anti-maláricos (difosfato de cloroquina ou sulfato de hidroxicloroquina) devem
ser utilizados, quando possível, em todos os casos de LESJ.
Outros medicamentos podem ser utilizados no controle dos pacientes
com LESJ, habitualmente os que não respondem aos corticosteróides e
anti-maláricos, e variam de acordo com o órgão ou sistema envolvido. As
medicações mais utilizadas são: ciclofosfamida, metotrexate, azatioprina,
micofenolato de sódio, ciclosporina, talidomida, dapsona, entre outros.
O uso de um ou mais medicamentos implica em um seguimento cuidadoso e
periódico, com consultas e exames laboratoriais seriados, com o objetivo de
avaliar a inflamação, detectar e tratar possíveis eventos adversos.
Deve-se evitar a aplicação de vacinas de vírus vivos em pacientes em
uso de corticosteróides e imunossupressores. Converse sempre com o seu médico
antes de administrar vacinas no seu filho e nas crianças com contato com o
paciente com LESJ. Em caso de suspeita de infecção, o seu médico deve ser
sempre consultado imediatamente.
8. Quanto tempo dura o tratamento do Lúpus
Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ)?
É muito variado e depende do órgão ou sistema comprometido.
Habitualmente, o tratamento continua até o final da adolescência, devendo ser
utilizadas doses mínimas ou mesmo a suspensão dos corticosteróides (como a
prednisona e prednisolona). No entanto, alguns casos podem apresentar doença
crônica com períodos de melhora e piora que persistem até a vida adulta. Nestes
pacientes deve ser feita uma transição lenta para o reumatologista de adultos.
O uso de álcool e fumo deve ser evitado. Muitos adolescentes são
“inconformados ou rebeldes” ao tratamento e devem ser conscientizados quanto à
importância do uso contínuo de medicamentos pelo risco de óbito na suspensão
destes. A responsabilidade, que sempre é dos pais ou responsáveis até os 18 anos
de idade, deve ser transferida gradualmente ao paciente de maneira firme e
segura.
9. O que pode acontecer se o tratamento
para o Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) for
interrompido?
A interrupção do
tratamento sem orientação médica pode ter conseqüências graves e irreversíveis,
como piora importante da doença e risco de óbito. Os pais devem controlar a
ingestão dos medicamentos e conversar com os filhos sobre a doença, reforçando a
importância do tratamento, especialmente nos casos de pacientes adolescentes
“inconformados ou rebeldes”.
10. Como é a sexualidade e fertilidade dos
adolescentes com Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil
(LESJ)?
A sexualidade do homem
e da mulher e a fertilidade da mulher (capacidade futura de ter filhos) são
habitualmente normais. A primeira menstruação e a primeira ejaculação nos
pacientes com LESJ podem demorar um pouco a aparecer, mas elas vêm normalmente
entre 12 e 15 anos.
Atividade sexual deve ser sempre realizada com preservativos
(camisinha masculina ou feminina), em todas as relações. Os preservativos evitam
a gravidez e as doenças sexualmente transmissíveis (como a AIDS, gonorréia,
sífilis, cancro). Lembrar sempre de verificar a validade da camisinha, usar
adequadamente no pênis ereto e cada camisinha em uma única vez. Nas jovens que
mantêm atividades sexuais freqüentes deve ser utilizado o anticoncepcional com
progesterona. Este deve ser sempre orientado por seu reumatologista pediátrico
e/ou ginecologista.
11. Como é a evolução dos pacientes com
Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ)?
Com o diagnóstico feito no início da doença e tratamento
eficiente, a evolução do paciente com LESJ melhorou muito e as crianças estão se
tornando adolescentes e adultos com boa qualidade de vida física e mental.
Sentimentos como tristeza, mágoa, culpa e raiva são freqüentes nas
crianças e adolescentes com LESJ. O diálogo com o médico permite que pacientes e
familiares expressem seus sentimentos e medos em relação à doença e aos
medicamentos utilizados. Em casos de angústias maiores pode ser necessário
acompanhamento com psicólogo ou psiquiatra.
Atualmente, um
paciente com LESJ tratado adequadamente tem grande possibilidade de se tornar um
adulto portador de uma doença crônica controlada. Como todo ser humano, este
precisará ser estimulado a estudar, ter sua futura profissão e constituir sua
própria família.
Transcrito do portal da Sociedade Brasileira de
Reumatologia mediante autorização”
para o Grupo Gerencial do Departamento de Reumatologia da SPSP – gestão
2007-2009 (Dra. Silvana B. Sacchetti, Dr. Roberto Marini e Dra. Maria Teresa
Terreri).